EXTENDED ABSTRACT

To present a case of the violent construction of the State as a product of militarized coloniality, the article examines the case of the Yanomami crisis. The scope of this research, inaugurated during the year 2022, is justified by the fact that it was the period when integrationist projects began (1973-1985) that marked the first gold rush in the Yanomami Indigenous Land (TIY), until the abrupt resumption of mining invasions in TIY (2019-2022), the largest since the demarcation of the territory in 1992 (HAY, 2022). The article emerges from a literature on studies of the Yanomami crisis based on approaches in the field of Critical Peace and Security Studies in International Relations. There are prominent but few academic productions on the Yanomami peoples in the areas of applied social sciences. This framework highlights the need to disseminate knowledge about indigenous vulnerabilities in research agendas. The article focuses on the direct challenge of the government's agenda for managing the crisis and its consequences caused by institutions, actors and processes surrounding militarized coloniality.

Conceptually, we use Coloniality as operationalized by Aníbal Quijano and Walter Mignolo. By contextualizing this colonial phenomenon, we recap the first territorial interventions in TIY, carried out by the Brazilian State during the civil-military regime imposed in 1964. In the first section, we introduce a critical reflection on the colonial genesis in Brazilian territory, highlighting the Yanomami as peoples who were violated in the process of formation of the Brazilian State, through extractive, slave-owning and violent economic projects. In the second section, the article reports on the constancy and severity, in the current period, of specific violence against the Yanomami people, with historical events distributed between 1973 and 2022. In the third section, using a critical qualitative approach based on the triangulation of information obtained by experts combined with press articles, the article proposes three axes to measure “violence” against the Yanomami people: 1. Legal: due to non-compliance with constitutional indigenous provisions created by the Brazilian State to guarantee the preservation of these peoples and their territories; 2. Institutional: by indigenous institutions corrupted by processes of militarization of their technical staff and, also, in 3. Discursive: through speeches and political practices of reputable representatives that reinforce the colonial discourse.

In this article, we understand the state’s conduct of racist violence against indigenous peoples, in relation to the supposed superiority of civilized society. Specifically, the colonial aspect (Quijano, 1998) refers to the state’s political planning and action based on the hierarchy of peoples. The military aspect, in turn, is a resource used to execute this planning. Here, we refer to military actors in positions of power or military government regimes that share and execute ideas of national development based on the expansion, expropriation, and exploitation of borders and territories, together with the encouragement or lack thereof of confrontation with capitalist extractivism. As a consequence, these colonial dysfunctions promote the destructuring of systems, traditions, and peoples that oppose this logic. In the first section, we introduce a critical reflection on the colonial genesis in Brazilian territory, highlighting in its process of Portuguese invasion the bases and occurrence of a civilizing colonization, whose integration of territories occurred through indigenous genocide and “ethnic transfiguration” (Ribeiro, 1979). This historical review contextualizes the Yanomami as peoples who were subjected to violence during the process of formation of the Brazilian State, through extractive, slavery-based, and violent economic projects. In the second section, the article reports on the constancy and severity, in the current period, of specific violence against the Yanomami peoples, from 1973 to 2022. We present a chronology that connects the first territorial interventions in TIY, carried out by the Brazilian State during the civil-military regime imposed in 1964 (ISA, 30 Anos TIY, 2022), to the present day, under a government of militarized institutions. In the third section, using a critical qualitative approach based on the triangulation of information obtained by experts combined with press articles, the article proposes three axes to measure “violence” against the Yanomami people: 1. Legal: due to non-compliance with constitutional indigenous provisions created by the Brazilian State to guarantee the preservation of these peoples and their territories; 2. Institutional: by indigenous institutions corrupted by processes of militarization of their technical staff and, also, in 3. Discursive: through speeches and political practices of suitable representations that reinforce the colonial discourse.

This article is based on the idea that there are dysfunctions in the Brazilian State stemming from its colonial past, historically strengthened and disseminated in periods led by militarized actors, institutions and regimes. Finally, the study assumes the humanitarian commitment of scientific social knowledge and the relevance of applying Peace and Conflict Studies (EPC) to indigenous peoples. It lists aspects and motions of a state coloniality engendered by the process of militarization of Brazilian institutions until 2022, which demonstrates that violence is intrinsic to the formation of the Brazilian State itself. From a critical perspective, the article understands, as effects of this coloniality, the absence of peace, with peace being introduced here as the absence or significant reduction of violence (Galtung 1969, p. 169) and, from this, “violence” in its socio-environmental, human, civic and ethnological character, corroborating Galtung's (1969, p. 168) multidimensional approach, and considering the structural dimensions of violence being physical or psychological, manifest or latent, and in its cultural aspect, of a history rooted in the historicity of colonization.

1. INTRODUÇÃO

O artigo analisa criticamente as disfunções no Estado brasileiro advindas de seu passado colonial, historicamente fortalecidas e demarcadas em períodos protagonizados por atores, instituições ou regimes militarizados. Em particular, examina-se os impactos de uma colonialidade militarizada em territórios da Terra Indígena Yanomami (TIY). Parte-se da ideia de que o Brasil se caracteriza pela formação de Estado cuja colonialidade é caracterizada por práticas violentas multifacetadas (Galtung, 1990) de inferiorização e marginalização de povos e culturas (Mignolo, 2017) em processos de imposição de poder inter sociedades (Quijano, 2005). Para apresentar um caso da construção violenta do Estado como produto de uma colonialidade militarizada, fruto de condutas coloniais em sua técnica discursiva e militarizadas em sua execução logística, o artigo observa a crise das fatais intrusões territoriais desenvolvimentistas, assim como as lentas ou inexistentes operações de combate a intrusões garimpeiras em território indígena Yanomami.

O recorte a ser considerado interpreta uma crise multifacetada que perpassa diferentes governos, inclusive em períodos democráticos recentes^[1] (Mapa de conflitos - Fiocruz, 2023), mas que emerge em governos militares (1973-1985) ou se intensificam quantitativamente em governos militarizados (2019-2022). Esse contato entre Estado e povos indígenas Yanomami nos períodos destacados é caracterizado por um Estado brasileiro promotor de agendas políticas militaristas de desenvolvimento com repercussões anti-indígenas, orientadas por militares, e um Estado brasileiro não responsivo, ausente ou antagônico aos direitos indígenas, em um governo de instituições estatais militarizadas.

O processo de formação do Estado nacional brasileiro, não diferente de demais países latino-americanos (Perdigão, 2021; Lavall, Lucca, 2018) origina-se diante de uma colonização europeia de intrusão, expropriação e exploração de terras e territórios originários, e são práticas mantidas desde então na contemporaneidade (Ferreira e Maschietto 2024). Entre inúmeros produtos desse processo, as dinâmicas coloniais ocasionam a execução ou o não enfrentamento a atividades e projetos que hospedam opressões sociopolíticas, econômicas e culturais racistas. Nisto, a colonização civilizatória europeia estabelece bases genocidas, ao caso Yanomami expressas durante ao regime civil-militar brasileiro (1964-1985) e enfatizadas durante o governo do ex-militar reformado Jair Bolsonaro (2019-2022). Entre 1970 e 1980, durante o regime civil-militar há a primeira corrida pelo ouro em TIY, e entre 2021 e 2022 há uma abrupta retomada de invasões garimpeiras em TIY, ainda maior desde a demarcação do território, em 1992, de acordo com a Hutukara Associação Yanomami (HAY, 2022).

Neste artigo, o estudo de caso é observado ao operarmos o entendimento de uma literatura em Estudos Críticos de Paz e Segurança, que versa sobre a conduta estatal de violência racista sobre os povos originários em relação à suposta superioridade do que seria uma sociedade civilizada e desenvolvida. Especificamente, o aspecto colonial refere-se ao planejamento e atuação política do Estado baseada na hierarquização de povos. O aspecto militar, por sua vez, é um recurso utilizado para execução desse planejamento. Nesse prisma, o uso da força do Estado passa a ser utilizado para o controle de uma ordem que dizima populações, com rupturas democráticas em períodos recentes (Dias; Santos; Amaral, 2023). Aqui nos referimos a atores militares em posições de poder ou regimes de governo militar que compartilham e executam ideias de desenvolvimento nacional baseada no ethos militar de expansão, expropriação e exploração de fronteiras e territórios, junto ao incentivo ou não enfrentamento do extrativismo capitalista.

Como metodologia de análise, a análise qualitativa do estudo proposto ocorre ao aplicarmos o conceito de colonialidade apresentado a uma natureza de militarização em eventos históricos destacados,conforme postulado por Suzeley Kalil Mathias (2004), sendo que este fenômeno

1. pode ser a ocupação de cargos civis por membros das FA; (...) 2. também pode ser a realização pelas políticas governamentais das doutrinas ou ideias defendidas pelas FA, como a subordinação a critérios geopolíticos na adoção de um determinado projeto; 3. por último, definimos que a transferência do ethos militar para o universo da política também representa um processo de militarização. (Mathias, 2004, p. 208)

Como consequência, essas disfunções coloniais promovem a desestruturação de sistemas, tradições e povos que se opõem a essa lógica. Quijano (1998) reforça o entendimento da existência, mesmo após o fim da colonização europeia, de um padrão de poder — por ideias, práticas e relações —, marcado pela colonialidade eurocêntrica (Quijano, 1998; Mignolo 2017). A América Latina, neste contexto, apresenta-se enquanto espaço-tempo em que se inaugura “um padrão de poder de vocação mundial” (Quijano, 1998, p. 117), sendo um ambiente de projeção desse poder colonial de origem europeia. O artigo propõe observar esse “padrão de poder” enquanto colonialidade do Estado brasileiro, em práticas jurídicas, institucionais e discursivas identificadas no caso da crise em TIY entre os períodos de 1973 a 1985 e 2019 a 2022.

Sob a perspectiva crítica, o artigo entende como efeitos dessa colonialidade a ausência de paz, sendo paz introduzida como a ausência ou redução significativa de violências (Galtung 1969, p. 169). Logo, a “violência” identificada ao caso Yanomami em seu caráter socioambiental, humano, cívico e etnológico, é de natureza direta, cultural e estrutural, o que corrobora a abordagem de Galtung (1969, p. 168) que considera a multidimensionalidade da violência, especialmente em seu aspecto cultural, de uma história radicada na historicidade da colonização.

Na primeira seção, reforçamos a reflexão crítica da gênese colonial em território brasileiro, destacando o processo de invasão portuguesa-europeia pela ocorrência de uma colonização civilizatória cuja integração de territórios ocorrera por meio do genocídio indígena e de “transfiguração étnica” (Ribeiro, 1979). Esse resgate histórico contextualiza os Yanomami enquanto povos violentados em meio ao processo de formação do Estado brasileiro, através de projetos econômicos extrativistas e escravagistas.

Na segunda seção, o artigo relata a constância e o acirramento, em período recente, de violências contra os povos Yanomami, distribuídas entre a década de 70 até anos recentes, desde 2019 até 2022. Relembramos eventos históricos nas TIY comentados a partir de dados apresentados pelo Instituto socioambiental (ISA, 30 Anos TIY, 2022), o que nos permite destacar as semelhanças do caráter militar das primeiras intervenções territoriais em TIY, protagonizadas pelo Estado brasileiro durante o regime imposto até os dias recentes, de um governo de instituições militarizadas.

Na terceira seção, sob uma abordagem qualitativa fundamentada na triangulação de informações obtidas por especialistas combinada com artigos de imprensa, o artigo propõe três eixos para dimensionar “violência’ contra o povo Yanomami: 1. Jurídica: pelo descumprimento de dispositivos constitucionais indigenistas criados pelo Estado brasileiro para garantia de preservação desses povos e seus territórios; 2. Institucional: por instituições indigenistas corrompidas por processos de militarização de seu quadro técnico e, também, em 3. Discursiva: por meio de falas e práticas políticas de representações idôneas que reforçam o discurso colonial.

O artigo, em seu sentido amplo, caracteriza a colonialidade de práticas racistas e genocidas na construção do Estado brasileiro como produto de um desenvolvimento anti-indígena, oriundo do “sistema mundo europeu/moderno/capitalista/colonial/patriarcal” (Grosfoguel, 2008, p. 119, adaptação nossa). Neste sentido, esperamos contribuir ao debate sobre a formação execução e disputas de poder do Estado colonizador contemporâneo, ao demonstrar que a reificação do mesmo como constituidor de uma ordem e desenvolvimento é uma categoria historicamente construída por um viés ocidental, que não só limita como também violenta povos e grupos que não compartilham da visão de mundo eurocêntrica. Entendemos que essa formação violenta incentiva e se beneficia de medidas paliativas na defesa da vida e assistência indígena, e ressaltamos a atuação reagente e propositiva de indígenas Yanomami como uma necessária contraposição de resistência a esse processo.

2. COLONIZAÇÃO CIVILIZATÓRIA: UMA INTEGRAÇÃO GENOCIDA PARA CONSTRUÇÃO DO ESTADO

O processo de conhecimento e invasão europeia do território — posteriormente nomeado Brasil — iniciado no século XV com a ancoragem de frotas portuguesas no litoral norte desta terra, dera início a séculos de intervenções, extrações e explorações sobre povos, ambientes e culturas nativas; sendo essas práticas violentas, resultantes do processo de expansão da civilização ocidental e, ao passar dos anos, incorporadas pelas instituições brasileiras, e justificadas em meio a uma dinâmica moralista do que seria uma colonização civilizatória (Ribeiro, 1979; Ferreira e Maschietto 2024), marcada por uma integração genocida e etnocida nas Américas (Clastres, 2004).

No entendimento do antropólogo francês Pierre Clastres (2004), em “Arqueologia da violência” — em alusão ao “escavamento” de fatos e elementos históricos violentos, para descobrir as histórias violentas das sociedades —, os termos genocídio e etnocídio se diferenciam, pois: “o genocídio assassina os povos em seus corpos e o etnocídio os mata em seu espírito” (Clastres, 2004). Isto é, a colonização do Brasil, em sua práxis imperialista europeia, diferencia, hierarquiza e subjuga os elementos e povos não europeus, originários dessa terra. Dessa forma, incita a romper e inibir a vida e as manifestações indígenas, expressadas em seus rituais, linguagens, modos produtivos e, pois, em sua cosmologia integrada ao dever e necessidade de preservação da Terra-Floresta.

Conceitualmente, o antropólogo Darcy Ribeiro (1979) identifica esse processo de colonização como “transfiguração étnica” dos povos nativos, que parte da ação do colonizador, e redefine esses povos — uma vez que não se refere aos indígenas assassinados. Essa assertiva rompe com visões limitadas da história da colonização e processo de formação nacional brasileira. Isto é, recusa o pensamento equivocado de ter ocorrido, durante a colonização, um processo de assimilação dos povos indígenas à civilização colonial brasileira; este processo é desconhecido na história e por vezes utilizado como tentativa de amenizar o genocídio indígena. Não houve assimilação — processo tácito, porém igualmente nocivo por envolver relações de poder e hierarquização étnico-racial —, houve genocídio e transfiguração étnica (Ribeiro, 1979, p. 15), capitaneado por um processo de expansão do capital europeu que disseminou doenças, violência direta e uso extensivo de armas de fogo para eliminar povos originários das Américas (Ferreira e Maschietto 2024).

Esse entendimento contrapõe ainda a ideia de haver suposta passividade dos povos nativos, em realidade subjugados e mortos, ao resistirem às tentativas falhas de assimilação (Ribeiro, 1979). É importante destacar como essas violações ocorrem a partir das dinâmicas internacionais, desde expansões territoriais das navegações e ditos anseios por desbravamento, mas, em finalidade, a partir da necessidade capitalista de projeções econômicas extrativistas e comerciais; uma integração socioeconômica europeia e imperial que lida violentamente com os nativos que ocupam as terras visadas, mas que sobretudo se interessa pelas riquezas a serem extraídas (Ribeiro, 1979).

Esses processos são historicamente executados por meio de forças militarizadas. Enquanto antes este processo se dava com expedições armadas marítimas e bandeirantes, hoje eles se configuram através de representações militares de forças armadas institucionalizadas. No projeto de povoamento do Brasil no século XV e, mesmo posteriormente no século XIX no projeto de criação da nação brasileira, a escravização indígena era atividade sócio comercial legalizada (Furtado e Coelho, 2016), mantida por forças com armas. Deve-se identificar e denunciar práticas e discursos mandatórios que permitam a permanência dessa colonialidade estatal. Desde as frotas de expedição e atuação jesuíta de um império português católico, até os bandeirantes em processo de integração territorial, chegando a governos republicanos que inseriram questões indígenas como agenda de segurança, defesa e mesmo guerra nacional^[2], elementos estes que permanecem até atualmente nas doutrinas militares das escolas das forças armadas.

Os povos Yanomami são até os dias atuais de 2025 o maior grupo indígena geograficamente isolado e com menor contato com a civilização globalizada (Martins e Senra, 2014). Em um resgate conceitual, podemos dizer que estão entre graus de transição de “isolados” e “contato intermitente” (Ribeiro, 1979), pois nota-se essas comunidades em uma situação histórica e resistente referente a comunidades indígenas que “(...) vivem em zonas não alcançadas pela sociedade brasileira, (…) e mantêm completa autonomia cultural”; e, também, comunidades em que “territórios começaram a ser alcançados e ocupados pela sociedade nacional, e (...) sua cultura e sua língua começam já a refletir novas experiências através de certas modificações” (Ribeiro, 1979, p. 377).

Essa diferenciação é crucial para introduzir os Yanomami enquanto povos nativos e viventes que resistem desde a colonização portuguesa. Atravessando os primeiros contatos marcados por demarcações territoriais do Brasil colônia (Agostinho, 1981), os Yanomami enfrentam intervenções desenvolvimentistas, seguidas de dizimação de comunidades inteiras em contatos introduzidos em 1973 com agentes nacionais brasileiros, massacre juridicamente reconhecida como genocídio em 1993, até períodos recentes e mesmo atuais, de massivas intrusões garimpeiras (Mapa da conflitos - Fiocruz, 2023). Os processos de colonização administrativa durante os séculos XVI a XIX, e que se atualiza até os tempos correntes do século XXI, são processos contínuos orientados pela ocupação forçada de territórios e desestruturação das comunidades tradicionais Yanomami.

Essas violências raciais, sócio políticas, culturais, religiosas, de gênero, sexuais e demais aspectos identitários humanos (Grosfoguel, 2008, p. 123), ao apresentarem diferenças entre sujeitos nativos e sujeitos estrangeiros colonizadores, são hierarquizadas e utilizadas como justificativas — equivocadas, porém intencionais —, para legitimar discriminações e violações de direitos humanos; a partir do distanciamento ao outro, que se torna estranho e inferior (Krenak, 2019). Aqui, nota-se, uma clara violência cultural que legitima outras formas de violência.

O caráter de extermínio do processo de colonização europeia em território brasileiro identifica os povos indígenas das Américas enquanto seres humanos a serem historicamente perseguidos e dizimados, conforme intencionalidades comerciais e expansionistas de uma integração colonizadora capitalista, baseada na acumulação, no lucro e superexploração de recursos. A dinâmica nacional de colonialidade do poder em relação à América Latina ocorre ao Estado brasileiro perpetuar a “privilegiada posição ganhada com a América pelo controle do ouro” (Quijano, 2005, p. 119). Por sua vez, o Estado é agente central neste processo, seja na abertura para a execução dessas rotas de exploração, com desmatamentos e construções rodoviárias na década de 1970, seja por meio da inércia de seus aparatos operacionais militares diante da atuação de atividades ilegais em territórios que devem ser protegidos entre 2019 e 2022. O caso Yanomami permite observar esse processo.

3. O CASO YANOMAMI: EXPANSÃO DO ESTADO VIOLENTO EM PROJETOS INTEGRACIONISTAS E OMISSÃO DE ASSISTÊNCIAS

O TIY, território situado na floresta tropical Amazônica com recorte ao espaço norte — na região afluente da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro —, são aldeias que incorporam o estado de Roraima e Amazonas, e possuem uma parte em contato de fronteira com a Venezuela. Hoje, corresponde a uma área de 192.000 km², e é habitada por uma população estimada em cerca de 35.000 pessoas no ano de 2011, segundo dados mantidos pelo Instituto Socioambiental (ISA, 2022), estando no Brasil repartidas em 228 comunidades.

O encontro dos Yanomami com o mundo exterior se iniciou durante o Brasil colonial (Agostinho, 1981), porém o contato passou a se dar de modo reiterado na década de 1910 (ISA, 2022). Entretanto, esses povos habitam o território hoje denominado Brasil e sul da Venezuela há mais de mil anos, 500 anos antes do Brasil colonial passar a existir (Bolognesi e Kopenawa-Yanomami, 2021). No século XIX, configura-se a dispersão e povoamento da TIY como o é hoje, sendo essas modificações impulsionadas por intrusões coloniais e consequentes movimentos migratórios em regiões do alto Orinoco e dos rios Negro e Branco, desde a metade do século XVIII (ISA, 2022). O esvaziamento progressivo do território hoje povoado por Yanomamis deu-se pela dizimação de grupos étnicos vizinhos, pelo contato com a sociedade regional colonial ao longo de séculos (ISA, 2022).

Há na história do Brasil uma constante violência contra os povos Yanomami, enfatizada neste artigo desde a década de 1970 até 2022. O atual cenário é a continuidade do garimpo ilegal para extração de ouro, uma prática que ressurge significativamente no ano de 2019 (ISA, 2022) e até os dias atuais de 2025 recebe tentativas de ser, para além de abrandado, erradicado (Brasil, 2023, 30 de janeiro -Decreto nº 11.405-). Esse agravamento inédito quantificado a partir de 2019 ocorreu durante uma conjuntura de cenário pandêmico de um governo militarizado (Machado et al., 2021). Entretanto, as intrusões garimpeiras foram inauguradas na Primeira Corrida pelo Ouro, que obteve o seu auge durante a ditadura militar vigente, na década de 1980 no Brasil (Ramos, 1996).

Considerando a hipótese de uma colonialidade militarizada, o artigo delimita como espaço-tempo marcos distribuídos entre os anos de 1973 a 2022, onde a partir de eventos específicos e significativos, iniciados com as primeiras intervenções territoriais em TIY e protagonizadas pelo Estado brasileiro durante o regime civil-militar, denota-se uma história contínua de hierarquização e inferiorização dos povos indígenas até os dias de intensa retomada em governos militarizados.

Na década de 1970 ao caso Yanomami, destacam-se os aspectos de colonialidade em sua técnica de inferiorização e supressão de fronteiras culturais, por meio da ideia de modernidade a partir da criação da necessidade de modificar o ambiente da Terra-Floresta, vista no TIY, e por meio de um discurso do Estado marcado por empreendimentos econômicos do rodoviarismo brasileiro, sob a égide de integração e progresso nacional. Como exemplo, há o início das obras da Rodovia BR-210 (Perimetral Norte), atravessando a TIY. Com o projeto, estima-se que 80% dos yanomami localizados na região foram diretamente afetados pela estrada e morreram por doenças trazidas pelos contatos (ISA, 2022).

Na década de 1980, há o início de uma série de invasões garimpeiras, motivadas por esses projetos nacionais rodoviários e integracionistas, e como consequência há um descomunal deslocamento e exploração da Terra-Floresta em TIY. Em razão disso, há um repentino e brutal contato biológico entre garimpeiros e Yanomami, até então majoritariamente isolados. Esse contato desmedido, possibilitado pelo Estado, se tornou fatal, acarretando na morte de comunidades (ISA, 2022). Essas duas décadas marcam a ineficiência do Estado (Chagas, 2024), bem como sua extensa inatividade em prol das vidas indígenas, ao banalizar a necessidade de não interferência territorial que mantêm a existência dos povos originários.

Em 2021 foram 19 regiões afetadas pela prática do garimpo ilegal, entre os quais em ordem de maior impacto destacam-se as regiões Waikás, Homoxi, Kayanau e Xitei (HAY, 2022). O extrativismo na Amazônia, como prática desregulada e infraconstitucional, ocasiona invasões, conflitos armados e intimamente se relaciona com demandas de rotas do ouro para comércios internacionais. Essa dinâmica é incentivada pela valorização do minério no mercado internacional (HAY, 2022).

Em falas de representantes indígenas, passa-se a entender como, além de estabelecer a permanente denúncia do garimpo ilegal ser uma prática de invasão territorial colonizadora ocorrente há anos, esclarece-se que o pedido de ajuda e indignação indígena é pela defesa dos direitos territoriais. Há uma árdua e persistente resistência indígena a essa vulnerabilidade. Segundo Rodríguez e Inturias (2018), nas três décadas recentes emerge um protagonismo de luta indígena por justiça ambiental “(...) resultado da crescente pressão exercida pelas mais diversas iniciativas de desenvolvimento, extrativismo e conservação sobre seus territórios (Rodríguez e Inturias, 2018, p. 90). Nisto, os Yanomami tornam-se para além de reativos, agentes propositivos frente ao capitalismo garimpeiro.

Em resistência e mobilização Yanomami, frente a reemergência do garimpo ilegal em TIY, houvera a campanha de abrangência nacional e internacional #ForaGarimpoForaCovid, uma petição que alcançou mais de 400.000 assinaturas, apresentada a parlamentares do Congresso brasileiro no ano de 2020, e que concretizou uma iniciativa do Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana e da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER), Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), com apoio do Instituto Socioambiental (ISA, 2022).

Em meio ao amplo alcance virtual, em canais de comunicação, bem como em encontros presenciais, em instituições brasileiras e internacionais, entidades representativas e representantes indígenas, como o xamã e líder yanomami Davi Kopenawa, seu filho Dário Kopenawa e o porta voz da campanha mencionada e diretor da HAY, Maurício Ye'kwana, puderam amplificar as vozes indígenas e assegurar a difusão da informação de multiplicidade de violências engendradas no processo de falta de atuação repressiva às práticas de garimpo ilegal, por parte do Estado brasileiro e da Fundação Nacional dos Indígenas (FUNAI) (ISA, 2022).

No cenário internacional, uma série de denúncias foram apresentadas em instituições de caráter propositivo a seus membros signatários, como o Brasil; a saber, o encontro entre representantes Yanomami e representações idôneas da Organizações das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça, durante a 50ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, e no Parlamento Europeu, em Bruxelas; sendo essas visitas impulsionadas após o descumprimento, por parte do Governo Federal brasileiro sob comando de Jair Bolsonaro, de medidas cautelares desde 2020 apresentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), relativas a urgente necessidade de proteção do Estado brasileiro em favor dos povos Yanomami, Munduruku e Ye'kwana, diante de práticas libertinas de garimpo ilegal (Biasetto, 2022).

Na América Latina (Albuquerque; Morales; Martins, 2019) e no Brasil (Toledo, Benedetto e Bizawu, 2023), nota-se que historicamente povos latino-americanos atuam em resistência, como interlocutores e protagonistas em lutas por direitos, reconhecimentos e apresentação de demandas para a emancipação de suas coletividades, frente a políticas tutelares ou restritivas de Estados nacionais. No estudo proposto, destacamos a Hutukara Associação Yanomami (HAY). Ao dominar o idioma português brasileiro, estabelecer seu reconhecimento jurídico em uma organização sujeita a legislação nacional, e estabelecer uma comunicação altiva em fóruns nacionais e internacionais, os Yanomami utilizam mecanismos tecnológicos de comunicação para segurança territorial em um protagonismo de defesa de direitos humanos e cívicos.

Segundo Rodriguez e Inturias (2018), há escassez de uma literatura que mencione “a persistência de valores coloniais (colonialidade) como um causa das injustiças e violências atuais, e a necessidade de enfrentá-la" (Rodríguez e Inturias, 2018, p. 91). Em falas de representantes indígenas Yanomami, além da permanente denúncia do garimpo ilegal como uma prática colonizadora reiterada (HAY, 2022), esclarece-se que o pedido de ajuda e indignação é pela defesa dos direitos territoriais e sua impossibilidade de dissociação aos direitos ambientais, culturais, espirituais e civis.

Para uma observação desses elementos citados, recomenda-se assistir ao documentário “A Última Floresta” (2021), dirigido por Luiz Bolognesi e com roteiro participativo do xamã e porta-voz Yanomami Davi Kopenawa. No relato autobiográfico de Kopenawa (2015), transcrito no livro “A queda do céu” (2015), a intelectualidade ancestral se apresenta ao sobreviver às tentativas de subjugo, e registrar milenarmente conhecimentos sobre resistências comunitárias, ambientalmente territorializadas, guiadas em torno de filosofias morais compartilhadas.

4. DIMENSÕES DA VIOLÊNCIA ANTI INDÍGENA YANOMAMI PELO ESTADO BRASILEIRO

Nos eventos históricos relembrados na seção anterior, observa-se uma evidente atuação de intervenção ou omissão danosa do Estado, diante da crise em TIY em diferentes governos, semelhantes em seu caráter militar ou militarizado. Ainda que a política indigenista enfrente formas históricas de progressos e retrocessos, alcances e reformulações, identificamos como em governos militarizados demarca-se uma maior intencionalidade de rupturas com direitos e preservações indígenas, além de amparar projetos expansionistas neoliberais (INESC - INA, 2022, p. 8). Essa hipótese é destacada ao observar a inédita ingerência de Jair Bolsonaro no quadro de funcionários da FUNAI.

A partir de 2019, a instituição de proposta indigenista, passa por uma reformulação, pela substituição de seu quadro técnico por militares não alinhados a questões indígenas. Historicamente, a FUNAI fora reformulada durante a ditadura civil-militar, substituindo o antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). E a FUNAI alcança a sua continuidade mesmo após o fim do regime, em diferentes governos democraticamente eleitos. Porém em um contexto de governo militarizado (2019-2022), o órgão passa a ser novamente gerenciado por um ethos militar, de utilização estratégica da agenda do órgão para o desmantelamento de direitos indígenas por meio do não acatamento denúncias em TIY e autoritarismo pela marginalização, subjugo e discursos violentos contra indígenas, realizados pelo poder executivo nacional e por representantes do órgão, alocados sobre funcionários indigenistas especializados, agora substituídos e assediados moralmente, diante de perseguições (INESC - INA, 2022).

No contexto de pandemia do COVID-19, canais informativos e alternativos (para além da televisão, e com destaque para podcasts autônomos^[3]) destacaram o negacionismo do governo brasileiro diante da saúde indígena e brasileira, como no caso do envio de cloroquina (fármaco inseguro para pacientes com COVID-19), do governo de Jair Bolsonaro aos povos Yanomami, onde “o governo federal levou comprimidos de cloroquina para algumas comunidades [Yanomami], que recusaram o medicamento” (CFBROTEIRICES, 2020). O destaque ao período de governo de Jair Messias Bolsonaro ocorre, pois seu mandato presidencial é acompanhado de denúncias, nacionais e internacionais, quanto ao aumento de racismo e violências contra povos indígenas.

No que se refere à violência jurídica, houve na administração Bolsonaro (2019-2022) uma insistente recusa do Estado brasileiro no acatamento de políticas e práticas que possibilitem o cumprimento de dispositivos jurídicos-normativos que asseguram direitos Yanomami. Notou-se no cenário doméstico, e com repercussão internacional, uma ineficiente, anticonstitucional e violenta postura diante de prerrogativas amparadas pelo ‘Estatuto do “Índio” de 1973’, promulgadas pela Carta Magna de 1988 ou reforçadas mundialmente com a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, de 2006. Com destaque, a crise se contrapõe à disposição do Artigo 231, parágrafo 2: “(...) As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” (CFBROTEIRICES, 2020).

No cenário internacional, uma série de denúncias foram apresentadas em instituições de caráter propositivo a seus membros signatários, como o Brasil. Destaca-se o encontro entre representantes Yanomami e da Organizações das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça, durante a 50a sessão do Conselho de Direitos Humanos, e no Parlamento Europeu, em Bruxela, realizada em 2024 mas sendo essas visitas impulsionadas após o descumprimento de medidas cautelares desde 2020 apresentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), relativas a urgente necessidade de proteção do Estado brasileiro em favor dos povos Yanomami, Munduruku e Ye'kwana, diante de práticas libertinas de garimpo ilegal (Biasetto, 2022).

Quanto à violência institucional, de forma inédita ao Estado democrático de direito estabelecido após 1989, denuncia-se em 2022 o retrocesso de processos de interferência e militarização do quadro técnico na FUNAI, instituição indigenista de referência para a agenda governamental brasileira. Há uma importância estratégica de se analisar a instituição da FUNAI para o caso Yanomami. Segundo Rodriguez e Inturias (2018), analisar e realizar uma abordagem indígena emancipatória implica adentrar as instituições envoltas e reguladoras deste processo.Pode-se destacar os seguintes pontos da violência institucional durante o governo de Bolsonaro: a) tem sido implementada uma política que cabe chamar de anti-indigenista; b) essa erosão da política indigenista se soma à de políticas como a ambiental, a cultural, a de relações raciais, por meio de noções como infra legalismo autoritário ou assédio institucional e, ainda, c) há tentativas de rearranjo institucional do indigenismo de Estado, dando lugar a uma troca de presidente na instituição, ao delegado de Polícia Federal Marcelo Xavier (INESC - INA, 2022).

Essa postura de transferência de licenciamento e propriedade normativa ambiental, que afeta povos indígenas, retoma os aspectos do processo de militarização das políticas indigenistas na ditadura civil-militar brasileira, e torna a entender como as instituições brasileiras, ao caso da FUNAI e suas agências correlatas durante o governo de Bolsonaro, possuem um padrão incremental evolutivo do discurso anti-indígena. Segundo Prado (2018), durante o regime civil-militar de 64 “A militarização da própria Funai foi um dos meios para que o Estado brasileiro se transformasse em um grande ‘esquadrão da morte’ contra indígenas” (Fernandes, 2015, p. 147 apud Prado, 2018 p. 86).

E quanto a violência Discursiva, desde a colonização há práticas de subjugação e discursos coloniais de representações nacionais do Estado brasileiro. Como exemplo, há a fala de Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente eleito do Brasil: “(...) Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios.” (Jair Bolsonaro em entrevista ao Correio Braziliense, em 12 de Abril de 1998). Ainda, têm-se a fala do tenente do Exército da reserva, Henry Charles Lima da Silva, que coordenou o órgão no Vale do Javari pela FUNAI, no Amazonas: “Eu vou entrar em contato com o pessoal da Frente e pressionar: vocês têm de cuidar dos índios isolados, porque senão eu vou, junto com os marubos, meter fogo nos isolados” (Henry Lima, Folha de S. Paulo, em 22 de julho de 2021).

Ainda, há uma ingerência partidária que historicamente prioriza interesses latifundiários e corporativos, como mostra-se em declarações sobre a Amazônia, como a do ministro do meio ambiente durante governo de Jair Bolsonaro, onde Ricardo Salles, filiado ao Partido liberal (PL) que elegeu Jair Messias Bolsonaro, em reunião incita:

"A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro nessas viagens que se referiu (...) Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos." (VEJA, Ricardo Salles durante reunião ministerial, em 22 de Maio de 2020, grifo nosso).

Nesse contexto, a existência do órgão FUNAI ocorre como forma de tutela governamental estratégica e com capacidade de ludibriar pressões e reivindicações indígenas normativas, além de priorizar a ingerência de setores de uma elite agropecuária brasileira que possuem seus interesses sobre a terra confrontados. Nesse cenário, ainda que haja a demarcação de dispositivos normativos para a regulação e preservação de territórios indígenas, na prática há uma postura que contempla a atuação de setores em expansão e exploração de ‘recursos’, na Terra-Floresta. O garimpo ilegal pode ser visto, neste sentido, como a ponta de um iceberg; de um espaço de disputa com grandes mineradores e empreendimentos latifundiários a serem beneficiados por uma séria de desregulamentações ministeriais. Deve-se destacar, como prática desse discurso, a expressão "deixa a boiada passar", do ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles.

Por todo posto, categoricamente destaca-se como impactos ao garimpo em TIY, os danos ambientais: tais como o aumento do desmatamento em áreas que deveriam ser protegidas, extração ostensiva de riquezas da terra e que possuem caráter finito, contaminação de fauna, solos e rios por substância residual do processo de extração, caso do mercúrio; os danos humanos, pela cooptação de indígenas ao trabalho ilegal e exploratório, violências sexuais de mulheres e crianças sem observância de seus direitos e proteção pelo Estado brasileiro, perseguições e assassinatos de representações e resistências indígenas e indigenistas à essas práticas e disseminação de doenças aos povos isolados; e os danos cívicos e etnológicos: ao infringir disposições normativas de proteção indígena e, por todo posto, corromper com a ciência de história e convívio de povos historicamente violentados e esquecidos, hoje vítimas da cooptação ao crime e práticas ilegais (HAY, 2022).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo observa a colonialidade estatal do Estado brasileiro como prática violenta jurídica, institucional e discursiva de uma colonização póstuma, engendrada ao processo de militarização de instituições brasileiras. Ao demarcar o contexto militar brasileiro de agravamento da crise Yanomami, suas características de rupturas democráticas e banalização de violências possuem uma correlação com falas, projetos e atores históricos. O Estado brasileiro, ao longo dos anos e sobretudo durante Bolsonaro (2019-2022) é construído e reinventado por tendências enfatizadas no regime civil-militar iniciado em 1964 e amparadas pela lógica colonial, que promove a formação anti-indígena do país.

Essa construção violenta do Estado é marcada pela hierarquização racista entre os povos e intervenções para o contínuo expansionismo de fronteiras. Esse processo, com gerências militares e tendo como exemplo o caso da crise Yanomami, incentiva a desregulamentação ambiental, corrompe aparatos institucionais regulatórios e acarreta elevadas taxas de invasão em TIY. Práticas extrativistas ilegais como o garimpo são um produto dessa colonialidade e promovem uma multifacetada marginalização e genocídio dos povos Yanomami. Ainda, essas atividades econômicas desreguladas são usufruídas por relações econômicas capitalistas, de bases colonialmente estabelecidas.

Deve-se reconhecer, nesse sentido, como a política indigenista atual é insuficiente para combater práticas de caráter genocida e etnocida que recaem sobre povos Yanomami e a necessidade de uma agenda de ruptura frente às bases institucionais exploratórias, colonialmente estabelecidas no Estado brasileiro. A partir disso, poderá ser resgatado o ideal de Pindorama, um Brasil que emerge do protagonismo e soberania dos povos originários.

Agradecimentos

Este trabajo se realizó con el apoyo de la Fundación de Apoyo a la Investigación Científica del Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil. Número de proceso 2024/15473-6

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Notas

Notas de autor

Información adicional

Cómo citar / citation: Sousa, N.W.L. de, e Ferreira, M.A. (2025). Colonialidade militarizada: A crise em terra indígena Yanomami como processo histórico de uma violenta construção de Estado. Estudios de la Paz y el Conflicto, Revista Latinoamericana, Volumen 6, Número 12, 42-57. https://doi.org/10.5377/rlpc.v6i12.20428

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